segunda-feira, 29 de abril de 2013

Pernambuco- Brasil


Pernambuco

Uma mistura fina de genes índios, europeus e africanos. Uma manta de retalhos onde se cosem praias de águas cristalinas, cidades históricas, um sertão do tamanho do mundo e um arquipélago mágico. Deixe-se contagiar pelo ritmo do frevo e do maracatu e mergulhe de cabeça neste caldeirão de cor, sol e boa-disposição.
1 – Retrato de grupo 
Foi um dos primeiros estados brasileiros a ser colonizado pelos portugueses que dinamizaram a cultura de cana de açúcar. Atraídos pela prosperidade do lugar, os holandeses vieram pouco depois, roubaram a capitania aos portugueses e modernizaram Recife. O nome do estado é uma derivação da palavra “paranampuka”, que no tupi das tribos indígenas significa “o mar que bate nas rochas”. Desta mistura de índios, europeus, africanos e também de judeus, nasceu um dos povos mais genuínos e corajosos do Brasil. O povo pernambucano resistiu a guerras e a secas extremas e foi pioneiro na luta pela independência da coroa portuguesa e na abolição da escravatura. Segundo a jornalista e recifense de gema Juliana Torres, os pernambucanos são “os mais bairristas porque para eles não há no mundo lugar melhor do que este”. O riquíssimo património arquitetónico e cultural de Olinda, a cosmopolita Recife, as lindas praias do litoral sul do estado e a riqueza etnográfica do sertão, mais o arquipélago de Fernando de Noronha, que é, sem qualquer exagero, um dos lugares mais bonitos que já vimos na vida (e olhe que já vimos muitos…), são razões de sobra para tanto orgulho.
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2 – Recife
É graças ao complexo sistema de canais dos rios Capibaribe, Beberibe e Jordão que Recife tem a alcunha de Veneza do Brasil. O centro da capital do estado está em três ilhas atravessadas por 39 pontes. Duas delas têm o nome de duas figuras importantes na história da cidade: uma é consagrada ao primeiro donatário de Pernambuco, o português Duarte Coelho, a outra, ao conde holandês Maurício de Nassau, que a mandou erguer em 1640, transformando-a na primeira ponte do Brasil. Para melhor perceber a dimensão de tudo isto, subimos a bordo de um catamarã e navegamos pelos canais enquanto uma senhora com voz de rádio nos explica o que é o quê: “Além está o Palácio do Campo das Princesas, a casa do Governador. Acolá pode ver a estátua do poeta João Cabral, uma de doze esculturas da Rota dos Poetas, uma homenagem da cidade aos poetas e compositores pernambucanos”. As fachadas coloniais de cores garridas dão uma bela foto e ainda somos surpreendidos por um viçoso mangue que cresce a seu ritmo nas margens dos canais em plena malha urbana. Antes de voltar a porto seguro, o barco passa entre a Praça do Marco Zero, a partir da qual se calculam todas as distâncias do estado, e o Parque das Esculturas, dominado pelo obelisco algo fálico que segundo o seu criador – o artista plástico Francisco Brennand (leia mais sobre ele no básico 7) – é uma evocação da descoberta do Brasil. Apeamo-nos e vamos bater às principais portas do Recife Antigo: a Praça de São Pedro parece saída de uma novela de época, o bulício do Mercado de São José é contagiante e a Rua do Bom Jesus, também conhecida como Rua dos Judeus, é morada da primeira sinagoga das Américas e do Museu dos Bonecos Gigantes que animam o Carnaval de Olinda (veja mais no básico 10). Como qualquer cidade brasileira à beira-mar que se preze, Recife tem na Avenida da Boa Viagem o equivalente à Copacabana do Rio de Janeiro. É um dos endereços mais chiques da cidade e aonde afluem todos os recifenses para ir a banhos. Resguardada das ondas pelos recifes que deram nome à cidade, a praia é tranquila. Mas atenção, se não quer servir de petisco a um tubarão, não se aventure a nadar para lá dos recifes. Também em Boa Viagem aparece a única obra do eterno arquiteto Oscar Niemeyer em Recife. O Parque Dona Lindu foi batizado em honra da mãe do ex-Presidente Lula da Silva e é uma estrutura multiusos onde há parques infantis, skateparque, campo de jogos, uma sala de espetáculos e um espaço para exposições. Ainda temos tempo para uma incursão ao mundo subaquático de Recife, que é um paraíso de naufrágios. Há mais de 60 embarcações à mercê da nossa curiosidade. O vapor Bahia e os galeões São Paulo e Serrambi são algumas das principais atrações. A nós calhou-nos visitar os destroços do Mercurius (29 metros de profundidade) e do Pirapampa (23 metros de profundidade), que são habitat de pachorrentos tubarões lixa, moreias e um sem fim de peixes de cores irreais.
Catamaran \\\ www.catamarantours.com.br
Parque Dona Lindu \\\ www.parquedonalindu.com.br
Mergulho nos naufrágios \\\ www.aquaticos.com.br
Arena Pernambuco
O novo estádio de Pernambuco já está a postos para receber os três jogos da Taça das Confederações de 2013. Para o ano, o Brasil recebe o Mundial de Futebol e o Arena será palco de cinco jogos. O estádio é parte da Cidade da Copa, tem capacidade para 46 mil pessoas e fica a 19 quilómetros de Recife. www.cidadedacopa.com.br
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3 – O(és tão)linda!
Diz-se que o nome da primeira capital do estado de Pernambuco se deve a Duarte Coelho, que ao pôr o pé no que hoje é Olinda terá exclamado: “Oh, linda situação para se construir uma vila”. Bem dito, melhor feito. Foi aqui que o capitão instalou a sede de capitania do estado, que rapidamente prosperou graças à cultura da cana de açúcar. Em 1630, os holandeses invadiram Pernambuco e conquistaram Olinda. Mas, ao contrário dos portugueses, não viram interesse nenhum em ter como capital a cidade de ruas estreitas e íngremes. Por isso, atearam-lhe fogo e passaram a capital para o Recife, lugar mais de acordo com o ideal de cidade dos Países Baixos. Felizmente Olinda – que como Lisboa, Roma e tantas outras cidades pelo mundo fora se diz estar assente em sete colinas – não se deixou traumatizar pelos maus tratos dos holandeses e renasceu ainda mais bonita. Tanto que é, desde 1982, Património Histórico e Cultural da Humanidade. O casario multicolor que sobe e desce as colinas, os jardins viçosos com vista para o mar e as mais de vinte igrejas barrocas, conventos e capelas contribuem para o charme intemporal da cidade, que tem inspirado uma miríade de artistas e artesãos. Nas ruas da cidade alta há ateliês de entalhadores, ceramistas e pintores porta sim, porta também. Uma boa maneira de conhecer os cantos à casa é pedir a um guia mirim (adolescentes que fazem de guias) que o conduza num passeio pela cidade. Peça-lhe que além das costumeiras paragens nas principais igrejas – como a do Carmo e a de Nossa Senhora da Graça –, inclua também no roteiro os sobrados mouriscos da cidade: são dois e são dos poucos vestígios da arquitetura neo-árabe no Brasil. Se, como nós, tem um fraquinho por artesanato, não deixe de passar pelos mercados da Ribeira e de Eufrásio Barbosa, bem como pela feira de rua do Alto da Sé, onde há verdadeiras pechinchas. O Alto da Sé é o ponto mais alto de Olinda e o melhor lugar para perceber a localização privilegiada do lugar. Daqui a vista alcança os arranha-céus de Recife e o Atlântico, que parece não ter fim. Se ainda assim quiser uma visão mais especial, suba ao alto dos 20 metros da Caixa d‘Água, o primeiro edifício modernista do Brasil, para uma visão de 360º. Não se vá embora sem desfrutar da muita e variada oferta cultural da cidade que foi a primeira Capital da Cultura do Brasil (em 2006). Em www.olindaturismo.com.br encontra uma programação diversificada e detalhada dos espetáculos e exposições que pode ver em abril.
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4 – Galinhas e Carneiros
A fama de Porto de Galinhas precede-a. Já perdemos a conta às vezes que esbarrámos com as suas magníficas piscinas naturais nas capas de revistas de viagens. Já ouvimos uma mão-cheia de amigos falarem das maravilhosas férias que lá passaram. Estamos a par das noites agitadas da vila e já nos avisaram que não fazer um passeio de jangada pelo mangue enquanto lá estivermos é pecado. Também já fomos informados de que Maracaípe, vizinha de Porto de Galinhas, é dos melhores spots do nordeste do Brasil para fazer surf, kite e windsurf. Mas, ainda assim, a estância mais popular do litoral sul de Pernambuco é capaz de nos surpreender. O passeio pelo mangue acaba por ser mais produtivo do que estávamos à espera. É que além da vista fabulosa de mar, rio e manguezal, ainda tivemos a sorte de encontrar uma data de pachorrentas lesmas do mar e de dar de caras com cavalos-marinhos de cores berrantes. As piscinas naturais são ainda mais bonitas ao vivo e em Maracaípe, apesar das previsões não augurarem ondas de nenhuma espécie e feitio, conseguimos surfar. No estúdio de Carcará, o artista que esculpe a partir de coqueiros caídos as galinhas castiças que estão por toda a vila, descobrimos que por detrás do nome Porto de Galinhas vive uma história que é tudo menos alegre como a vida por aqui nestes dias. “Este lugar era o principal ponto de comércio de escravos ilegais no nordeste. Muitas vezes, os escravos chegavam escondidos debaixo de gaiolas com galinhas d'angola e a sua chegada era anunciada com um ‘Há galinha nova no porto’! E assim se passou a chamar Porto de Galinhas ao que era a praia de Porto Rico”, conta o artista. Porque não há bela sem senão, a estância só peca por ficar cheia demais. Nada que não tenha remédio. Descendo um pouco para sul, encontramos a Praia de Carneiros, que também tem fabulosas piscinas naturais, águas mornas de um verde-esmeralda hipnotizante e coqueirais a perder de vista. E onde é quase certo que poucas pegadas ficarão na areia além das nossas.
www.visiteportodegalinhas.com
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5 – Terra do Nunca
À medida que se encurtam os 545 quilómetros que separam o arquipélago de Fernando Noronha de Recife, cresce o nosso entusiasmo. Graças a São Pedro, o céu está imaculadamente limpo e permite-nos, ainda das alturas, estudar a anatomia do arquipélago que é Património Natural da Humanidade. Lá está, qual sentinela, o Pico do Morro, o mais alto de todos. Os ilhéus dos Dois Irmãos são vizinhos da Baía do Sancho, que reconhecemos sem precisar de olhar duas vezes, ou não fosse ela a recém-eleita praia mais bonita do Brasil (e uma das três mais fabulosas do mundo). E ainda conseguimos ver que na Praia da Cacimba do Padre há muitos surfistas a encher a barriga de tubos. Ávidos por saborear melhor Noronha, saímos disparados do avião para as imaculadas águas da Praia da Conceição. Não há muito tempo para ficar de molho porque combinámos ir aplaudir (literalmente) o pôr do sol na Fortaleza dos Remédios, a maior e mais preservada da ilha. À noite, a Vila dos Remédios passa a ser o centro das atenções, muito por causa do Bar do Cachorro, que é o ponto de encontro de “gringos” (os turistas, como nós) e nativos para dançar ao som, ora do samba, ora do forró, pela noite dentro. Mas isso terá de ficar para próximas núpcias, amanhã temos a nossa apresentação (in)formal a Noronha – o chamado Ilha Tour – logo pela fresca. Tapioca, o nosso guia nesta aventura, é um homem de porte. Tem ombros largos, mãos de gigante, voz grossa e havemos de descobrir no decorrer do dia que padece da síndrome de Peter Pan. Todos os dias da semana, Tapioca nada com tartarugas, raias, tubarões inofensivos e peixes de cores inimagináveis na Baía do Sueste. O bom gigante faz o trilho da Atalaia (um passeio que combina uma caminhada pela floresta nativa com uma sessão de snorkeling numa baía pejada de peixes e tartarugas) sabe-se lá quantas vezes por mês. Mais de 300 vezes ao ano, Tapioca nada nas águas vítreas da Praia do Leão e faz o trilho até à Baía dos Golfinhos, a única praia voltada para o mar de dentro (o mar de dentro é o que está virado para o Brasil), que é interdita a banhos porque está reservada à comunidade de cetáceos. Mas não é por isso que o guia fica menos extasiado do que nós quando vê a lindíssima Baía dos Porcos – apesar de já lhe ter posto a vista em cima quase tantas vezes quantas despertou para um novo dia. Tapioca agradece-nos cada suspiro, cada palavra, cada sorriso que dirigimos à beleza da ilha como se os estivéssemos a endereçar a ele, e a sua imaginação é tão fértil que lhe permite distinguir figuras de animais e de pessoas nos rochedos onde o comum mortal só vê o negro do basalto. Bem queríamos arranjar outro, mas é difícil encontrar melhor epíteto para a ilha do que aquele que saiu da boca de Tapioca quando nos despedimos: “espero que sejam muito felizes neste tempo que vão passar aqui na Terra do Nunca”. No dia e meio que nos sobrou fomos também nós crianças em corpo de gente grande. Farejámos a ilha de ponta a ponta. Passámos pelo Museu do Tubarão e pelo projeto Tamar, que faz das tripas coração para salvar as tartarugas. Saímos de barco para ver a ilha a partir do mar e mergulhámos ao largo da Ilha do Meio, uma das 21 do arquipélago. Uma experiência para recordar por muitos anos. Como havemos de esquecer o dia mágico em que nadámos com uma tartaruga que por pouco não nos ganhava em tamanho – ou será que ganhava?
www.noronha.com.br
Ilha Tour \\\ Atalaia Noronha \\\ www.lucknoronha.com.br
Mergulho \\\ Atlantis Divers \\\ www.atlantisdivers.com.br
Dicas de viagem:
Dois terços do arquipélago (incluindo 70% da ilha principal) são protegidos por rigorosas leis ambientais do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais). Para preservar este estado de graça, quem passa por Noronha tem de se sujeitar ao pagamento de uma taxa de preservação ambiental. Em www.noronha.pe.gov.br saberá quanto vai ter de desembolsar para ficar na ilha (as taxas variam consoante a duração da estadia). Pague de antemão para evitar filas à chegada e ganhar tempo extra na ilha.
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6 – “É” bom demais
Em tupi-guarani “é” significa saboroso, quente, temperado. Adjetivos que assentam que nem uma luva à cozinha de Pernambuco. Uma miscelânea de influências negras e indígenas – com uma pitada de portuguesice lá pelo meio – com preceitos da cozinha do litoral e do receituário do sertão. A carne de sol, o charque e o bode vivem onde o mar não chega. À beira do Atlântico saltam para a mesa peixes ainda a dar à barbatana e marisco nascido e criado em águas tão quentes quanto o sol. Nos doces, os líderes do pelotão são a cartola (banana, queijo de manteiga, açúcar e canela), o bolo torto (torta recheada com goiabada), o nego-bom (bananas, açúcar e limões) e o pé de moleque (amendoim torrado e rapadura). Recife é a melhor montra da cozinha pernambucana e uma cidade cada vez mais universal também do ponto de vista gastronómico. A capital do estado está no pódio das melhores cidades para se comer no Brasil, logo atrás do Rio de Janeiro e de São Paulo (que leva o ouro). Há de tudo para todos os gostos e para todas as bolsas.
Onde comer (e bem!):
RECIFE
Bargaço 
www.restaurantebargaco.com.br
Clássico de Recife (e também de Salvador, na Bahia), serve uma moqueca maravilhosa. O peixe assado com farofa de camarões é igualmente fabuloso.
Thaal
www.facebook.com/thaalcuisine
A cozinha do jovem chefe Thiago Freitas é uma verdadeira caixinha de surpresas. Mais do que uma refeição, é uma viagem inesquecível onde comem os olhos, o nariz e a boca. Se é curioso e fã de ótima comida, não pense duas vezes: vá!
Ferreiro Premium
www.facebook.com/ferreiropremium
Do descendente de uma longa linhagem de bons restaurantes portugueses, não se pode esperar menos do que um soberbo bacalhau. Remate com o melhor bolo torto de Recife.
Boteco Bistrô
Avenida Alfredo Lisboa, Armazém 11 Loja 2 \\\ +55 (81) 3224 4992
Da assombrosa variedade de petiscos, duas menções muito honrosas: o filé de bode (sim, bode!) e o escondidinho de camarão.
Barchef
www.barchef.com.br
É um dos restaurantes da moda em Recife. Funciona num casarão de estilo colonial e engloba no mesmo espaço um restaurante espanhol, um italiano e um brasileiro. Todos comandados pela talentosa chefe Raline Aragão.
Leite
www.restauranteleite.com.br
O primeiro restaurante português do Brasil está de portas abertas desde 1882. As especialidades da casa andam à volta do bacalhau. O arroz do dito é uma das mais apreciadas.
OLINDA
Beijupirá
www.beijupira.com.br
Como boa pernambucana que é, a cozinha do Beijupirá é colorida e criativa. Se é fã de peixe e marisco inclua este restaurante no seu roteiro. Se não for em Olinda, que seja em Carneiros, Porto de Galinhas ou em Fernando de Noronha. O Beijupirá está em todas.
PORTO DE GALINHAS

7 – Artistas, colecionadores e artesãos
Francisco Brennand, ou “o mestre dos sonhos” é um artista plástico pernambucano que acabou por engolir a sua crença de que a cerâmica era uma arte menor, quando descobriu que todos os artistas que mais admirava – entre eles Picasso – a faziam. Na sua oficina/templo estão expostas mais de duas mil peças de cerâmica e um significativo conjunto de telas que revelam a predileção do artista por temas como o cosmos, a origem da vida, o erotismo e a mulher. Já o seu primo, Ricardo Brennand é um colecionador compulsivo. Um canivete que lhe ofereceram quando era miúdo foi o mote para uma das maiores coleções de armas do mundo. Com o passar dos anos, Ricardo passou a colecionar também obras de arte. No seu museu em forma de castelo, cabe a dita coleção de armas e a maior coleção privada do pintor holandês Frans Post – autor de deslumbrantes telas onde é protagonista Pernambuco no século XVII. O museu alberga ainda arte sacra, artes decorativas, esculturas e exposições temporárias de artistas brasileiros e estrangeiros. A cidade de Caruaru, a “porta do agreste”, é um importante pólo de artesanato. No Alto do Moura concentram-se alguns dos melhores artesãos do estado e é lá também que está o Museu Mestre Vitalino, artesão que ganhou fama por retratar como ninguém o modo de vida dos sertanejos do nordeste brasileiro em figuras de barro.
Francisco Brennand \\\ www.brennand.com.br
Ricardo Brennand \\\ www.institutoricardobrennand.org.br
Alto do Moura \\\ www.altodomoura.com
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8 – Preto no branco
O cordel é um género literário popular que nasceu na Europa algures no século XVI e que os portugueses levaram para o Brasil. Se no Velho Continente os livrinhos de rimas ilustrados com xilogravuras já são peça de museu, no nordeste brasileiro o género ainda está vivo e de boa saúde. “O cordel não serve só para entreter, serve também para informar, educar”, diz o cordelista e xilogravurista J. Borges, que, em 1964, publicou O Encontro de Dois Vaqueiros no Sertão de Petrolina, com ilustração de Mestre Dila. O primeiro cordel de Borges vendeu mais de cinco mil exemplares enquanto o diabo esfregou um olho e deu-lhe ânimo para fazer cada vez mais e melhor. Além de escrever, Borges começou também a fazer as suas próprias xilogravuras, que, para quem não sabe, são uma espécie de carimbo. Primeiro o artista talha na madeira a figura que pretende imprimir. Depois, com um rolo de borracha embebido em tinta, pinta o relevo e, já com a madeira impregnada de tinta, deita-a sobre um papel, ou tela, para revelar o produto final. Se passar por Bezerros, pare no Museu Borges e conheça esta sumidade do cordel que é um contador de histórias como poucos.
Memorial J. Borges \\\ http://memorialjborges.arteblog.com.br
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9 – Som na caixa!
Os ritmos de Pernambuco não podiam escapar imunes ao caldeirão cultural que foi a constituição do estado e são, também eles, um apanhado de várias influências musicais. O maracatu é o ritmo negro, tem origem nas congadas – cerimónias de coroação dos reis africanos – e distingue-se pela percussão frenética. O afoxé, descendente do candomblé (religião com origem em África que presta culto aos orixás) é marcado pela batida do agogô, uma espécie de sino. O forró nasceu nas terras do interior do nordeste brasileiro e foi beber a ritmos europeus como o xote. O pernambucano Luiz Gonzaga, autor de temas como “Asa Branca” e “O Xote das Meninas”, é a grande figura do género e Caruaru – sede do museu dedicado ao ritmo –, disputa com Campina Grande, no estado da Paraíba, o título de capital do forró. Mas não há, entre todos estes, ritmo mais contagiante do que o frevo. Património Imaterial da Humanidade desde 2007, é um estilo musical de compasso frenético marcado pelos sons vibrantes do saxofone, do trombone e do pandeiro, que provocam a quem os escuta uma incontrolável vontade de sacudir o esqueleto (e olhe que se isso não lhe acontecer é bom ir ao médico porque algo de errado se passa consigo). O frevo é também uma dança que, como a capoeira, começou por ser uma arte marcial. Os passistas (dançarinos de frevo) são verdadeiros acrobatas que dão pulos tão altos como um atleta de salto em altura e se dobram como as melhores ginastas chinesas. O símbolo do género é a sombrinha verde, azul, amarela e encarnada, que hoje é uma espécie de bengala para executar os complicados pinotes da dança, mas que em tempos que já lá vão (não nos esqueçamos que era uma arte marcial) era usada como arma. Rápido, sincronizado, acrobático e colorido, o frevo é rei e senhor do Carnaval do Recife e de Olinda. E isso já é outro assunto…
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10 – Carnaval
Esqueça o samba e o axé. Em Pernambuco não há ritmo que abafe o frevo. O ponto alto da folia está, desde 1977, por conta do desfile do Galo da Madrugada – o maior bloco carnavalesco do mundo (Guinness dixit!) – que às primeiras horas da manhã do sábado de Carnaval atrai mais de um milhão e meio de foliões (tantos quantos os habitantes da cidade) para as ruas de Recife antigo. Outro momento alto da festa é a chamada Apoteose, que na madrugada de Quarta-feira de Cinzas junta as orquestras, os artistas e as agremiações que participaram no Carnaval. Em Olinda as ruas estreitas parecem inchar por artes mágicas para fazer caber as troças (orquestras), os blocos, os maracatus, os foliões mascarados e os bonecos gigantes. Estes parentes dos cabeçudos portugueses são liderados pelo Homem da Meia-Noite, mestre de cerimónias, desde 1938, do colorido e original Carnaval de Olinda.

domingo, 10 de outubro de 2010